24.3.15

# around the web

um poema

Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram. 

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros 
ao lado do espaço 
e o coração é uma semente inventada 
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
— E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo 
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto 
correr do espaço — 
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave —qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagre
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram. 

Excerto de Tríptico, A Colher na Boca, © Herberto Helder (1961)
Herberto Hélder de Oliveira [Funchal, 23 de Novembro de 1930 - Cascais, 23 de março de 201]

uma música


Ibeyi - Mama Says - Later... with Jools Holland - BBC Two

uma mulher



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